Uma Exploração de Comunidades Sustentáveis na América Latina.
Ryan Luckey - www.comuntierra.org
(Foto: Ryan Luckey)
Baixada a poeira depois da Rio+20, ficou o consenso entre as organizações ambientais e ativistas que não houve progresso rumo a construção de um futuro global sustentável.
“Sabíamos que não haveria grandes avances. O que surpreende é que foi ao contrário”, disse o educador Thomas Enlazador ao Común Tierra. A ausência de um acordo da ONU para a ação concreta só atrasada uma situação inevitável. A conseqüência será o agravamento da pobreza, a perda da biodiversidade, privatização da água, sementes e a crescente diferença social entre ricos e pobres”.
O documento oficial elaborado e aprovado pela ONU na Conferência, titulado “O futuro que queremos” consiste num vago resumo dos recursos do mundo e suas ameaças sem abordar causas das crises ambientais e sociais que afetam gerações atuais e futuras. O acordo não firma compromisso e fecha com um fraco convite aos países para individualmente tomarem suas medidas rumo a sustentabilidade:
‘Convidamos a todos os compromissos voluntariamente assumidos na Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável em 2012 e todos os interessados e suas redes a colocar em prática ações concretas, planos, programas, projetos e ações para promover o desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza.’
Enquanto os governos celebram o fato de que se alcançou um acordo, os ativistas observam que para os povos indígenas do Brasil e do mundo, os meios de vida estão ameaçados pelo abuso continuado dos recursos naturais, e o evento não apresentou nenhuma alternativa.
PARTICIPAÇÃO INDÍGENA
Mariano Terena entrega a Declaração da Kari-Oca para ONU no dia 21/06/12 (Foto: Giulia Afiune)
Ainda que obviamente não convidados para a Conferência Oficial, os eventos externos da Rio+20 reuniram representantes indígenas de centenas de grupos étnicos do mundo para expressar suas próprias demandas de direitos humanos e sustentabilidade.
“Considero que essa reunião é muito importante porque reúne um grande número de Povos Indígenas do Brasil e do Mundo”. Ianaculá Rodarte é da tribo Kamayurá, da região do alto do Xingu e disse também em entrevista ao Común Tierra: “É muito importante que nos reunamos para discutir os problemas que estamos enfrentando e situações que estamos sofrendo, para poder unificar nossas propostas, pois vemos que elas são as mesmas”.
No acampamento da Kari-Oca 2, onde a maioria dos representantes Indígenas ficaram, os lideres se reuniram para escrever seu próprio documento que foi assinado e entregue na Conferência das Nações Unidas. No 21 de junho, mais de 400 indígenas marcharam desde o seu acampamento até a Conferência onde pediram para levar sua mensagem a uma reunião.
Os governos e as pessoas necessitam escutar-nos, porque temos muitas propostas de soluções para a crise que estamos vivendo hoje. Exigia o Líder Wilden Bloliget da Australia. “Nosso conhecimento tradicional, nossas culturas e praticas estão em harmonia com a Terra e por isso são sustentáveis”.
A delegação da Amazônia não pôde entrar na Conferencia para entregar o documento, e uma pessoa foi ao lado de fora receber... obviamente muito poucas das suas demandas foram citadas no documento final da ONU.
AS TRIBOS AMAZÔNICAS MANIFESTAM
Mapulu Kamayurá foi a RIO+20 para pedir atenção a exploração no Alto Xingu (Foto: Ryan Luckey)
Em preparação para Conferência, muitos se questionavam se fazia sentido o Brasil ser anfitrião desse evento, em meio a vários acontecimentos recentes do país quanto a preservação da Amazônia que tem 60% do seu território no Brasil. Há dois meses, a presidente Dilma firmou o Novo Código Florestal que é criticado massivamente pelos ambientalistas pois em massiva opinião, permitirá uma maior devastação da Amazônia.
A destruição da Amazônia está impulsionada pelo avanço da soja transgênica e a criação de gado.
Os grandes criadores de gado estão queimando a selva ilegalmente e aproveitando essa fertilidade de solos virgens, colonizando mais e mais a Bacia do Amazonas. O Novo Código Florestal reduz as penas aos crimes de exploração e permite maior exploração em áreas próximas aos rios.
Viemos aqui para chamar atenção sobre nossas lutas sobre o Rio Xingu. Mapulu Kamayurá também da tribo Kamayurá disse “Não queremos que os criadores de gado sigam entrando no Xingu, muitos deles estão entrando lá e destruindo bosques. Estradas são construídas ilegalmente e agora o governo quer construir uma estrada em um lugar sagrado de nossa tribo. Por favor, digam ao governo que não queremos uma estrada em nosso território!”
BELO MONTE
A hidrelétrica de Belo Monte é outro problema gravíssimo que vem assustando ecologistas e cidadãos de todo mundo. A represa prevista para o Rio Xingu na Bacia do Amazonas teria uma capacidade de produção de pouco mais de 11.000 megawatts, sendo a terceira maior do mundo (depois de Três Gargantes na China e de Itaipu no Brasil).
Entre tantas críticas e destruição que causará, Belo Monte tem uma característica que a converte num dos projetos de energia mais ineficientes do mundo. Devido a flutuações de período de seca e chuva, a hidrelétrica funcionaria a plena capacidade somente por 4 meses ao ano, sendo que durante vários meses do ano pode ficar inativa. Os expertos afirmam que a hidrelétrica terá uma media de 4.500 megawatts, aproximadamente 40% da sua capacidade.
A hidrelétrica, que tem um conturbado projeto de mais de 30 anos envolvendo muitos escândalos e confusões para sua aprovação, iniciou sua construção no começo de 2012 e afetará diretamente milhares de indígenas e ribeirinhos. Se estima que entre 20.000 a 40.000 pessoas perderiam suas casas e terras e precisariam ser realocados. Além disso, a represa secaria uma parte do Xingu que afetaria a populações locais de peixes que já são ameaçados e poderá afetar as fontes de alimentos de uma região muito maior.
Os ativistas advertem que a Belo Monte representa o começo de uma onda de mais de 100 projetos de hidrelétricas que estão em andamento na Amazônia.
“Esse modelo Econômico que o Brasil está seguindo e avançando, sem chance de volta, é como um rolo compressor atropelando as pessoas. Não importa o que está a sua frente, tem que sair do caminho. Não existe uma consulta ou conversação para conhecer a visão dos povos indígenas” disse Ianaculá Rodarte.
Esse é o caminho a seguir para uma nação que chegam a chamar de país do futuro?
“O Brasil poderia tomar a liderança na área do meio ambiente”, disse Thomas Enlazador, “mas estamos vendo a direção oposta, acabando com a proteção ao meio ambiente e seguindo a agenda das corporações explorando o melhor dos nossos recursos naturais a custo do nosso ambiente e povos indígenas do nosso país.”
SOLUÇÕES FALSAS
A declaração da Kari-Oca 2 levantada durante a cerimônia na RIO+20 (Foto: Ryan Luckey)
O documento da Kari-Oca 2 escrito pelos lideres indígenas reclama os direitos dos povos indígenas a Terra, água, sua cultura e tradições e adverte as falsas soluções do modelos da economia verde:
“Consideramos que os objetivos da Conferência das Naciones Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD) Río+20, a “Economia Verde” e seu argumento de que o mundo somente pode “salvar” a natureza com a mercantilização de suas capacidades de dar vida e garantir a vida como uma continuação do colonialismo que os Povos Indígenas e nossa Mãe Terra tem resistido durante 520 anos".
“Exigimos que as Nações Unidas, os governos e as empresas abandonem as falsas soluções a mudança climática, tais como as grandes represas hidroelétricas, os organismos geneticamente modificados, incluindo as árvores transgênicas, as plantações, os agro-combustíveis, o “carbono limpo”, a energia nuclear, o gás natural, a transposição das águas dos rios, a nanotecnologia, a biologia sintética, a bio-energia, a biomassa, o biochar, a geoengenharia, os mercados de carbono, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e REDD+ que colocam em perigo o futuro e a vida tal como a conhecemos”.
Sua mensagem é simples: devemos deixar de buscar projetos de desenvolvimento e novas tecnologias comerciáveis para abordar os desafios do mundo. Em alguns casos, as falsas soluções estão apagando os conhecimentos tradicionais das culturas milenares que viveram de forma sustentáveis por milênios.
Sugerem, ao contrário: “reconhecer os sistemas tradicionais de manejo de recursos dos povos indígenas que existem há milênios” focando na proteção da água e biodiversidade das sementes para incrementar a soberania alimentaria.
"Convidamos a sociedade civil a proteger e promover nossos direitos e cosmo-visões, a respeitar a lei da natureza, nossas espiritualidades e culturas e nossos valores de reciprocidade, harmonia com a natureza, solidariedade e coletividade".
LIÇÕES APRENDIDAS
Avó Mona Polaca, do Conselho das 13 Avós Indígenas , uma anciã Havasupai, Tewa e Hopi da América do Norte viajou ao Rio para participar da Cúpula dos Povos. Explicou que os povos indígenas estiveram por muito tempo tratando de fazer as coisas da forma ocidental, firmando tratados, utilizando tribunais, jogando as regras desse jogo, mas as coisas estão somente piorando.
“Fomos enganados ao acreditar que esses líderes tinham algum interesse nas pessoas”, disse ela. “Agora estamos nos dando conta do que devemos fazer, recuperar nosso poder para determinar como iremos sobreviver, como vamos viver nesse mundo”.
“Respeitar as leis naturais, é tudo que dizemos. Respeitar a vida, o equilíbrio e as pessoas que optam por não viver nessa sociedade capitalista”.
Rio+20 terminou faz algum tempo, e Inaculá Rodarte está de volta na sua tribo na Bacia do Amazonas, onde apresentará um informe do que passou no evento”.
“Na nossa região do Xingu existem 14 tribos, cada uma com seu próprio idioma. Se você olha uma foto de satélite vê que estamos numa ilha em meio a estradas monoculturas e gado. É hora de nos unirmos, fortalecer culturalmente e espiritualmente para poder fazer frente a esses grandes desafios”.
“Temos que centrar-nos em nossa unidade, nossa própria força. Isso é o que pode nos ajudar agora”.
Esse artigo foi escrito por Ryan Luckey depois da sua participação na RIO+20. Estamos publicando com licença Creative Commons, assim que ele pode ser republicado e partilhado em diferentes meios, sempre dando crédito ao autor.