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Nossa Gravidez Nômade e Parto em Casa! (Parte 1)

Postado há 8 anos

Quando nós descobrimos que estávamos esperando um bebê, muitos sentimentos vieram – um bocado de empolgação, um pouco de incredulidade (seria mesmo real?) e o pensamento de como as nossas vidas iriam mudar. Como seria estar grávidos enquanto viajávamos full-time? Em qual país/área o nosso bebê iria nascer? Nós continuaríamos vivendo na Minhoca, nosso amado motorhome? Por sinal, seria possível realizar o parto dentro de um motorhome? E como obter assistência média na estrada?


 

Gravidez Nômade

Nossa experiência de gravidez foi diferente da maioria, à medida que passamos 7 dos 9 meses viajando todo o tempo! Nossa filha Anahi foi gerada em uma família nômade e passou tempo (no útero) em três países diferentes: Argentina, Uruguai e Brasil. Nossas visitas pré-natal foram com parteiras e médicos diferentes a cada vez, e nós buscamos pessoas especializadas e eventos relacionados a bebês durante nossas viagens. Consultamos com várias parteiras e médicos, tanto na esfera privada como em atendimento público. Nossas visitas a amigos que tinham bebês/crianças pequenas passaram a ter um novo significado, já que sabíamos que essas crianças passariam a ser futuros amigos de nossa filha.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

Visitando os amigos Majo, Fede e Delfina na Argentina (Leticia tinha 10 meses de gravidez) e logo Aldo, Nati e sua filha Mora, no Uruguay (13 semanas)

 

Estar grávidos na estrada era algo entusiasmante, e todos pareciam estar empolgados junto com a gente. Recebemos bênçãos do mundo inteiro, e sentíamos que Anahi iria nascer em uma linda comunidade global!

Mas não foi fácil manter o ritmo de viagens e mudanças constantes com uma barriga crescendo junto. Minhoca é suficiente para nós enquanto nômades, mas pequena para uma vivência permanente, e parecia ficar cada vez menor à medida que a barriga da Letícia crescia. A náusea típica do primeiro trimestre de gravidez ficava um pouco mais forte combinada com os longos dias na estrada. A falta de relacionamentos constantes também era cansativa, já que não tínhamos um grupo de mulheres ou um grupo familiar constante para trocarmos experiência e obter auxílio, ademais, ver uma parteira nova todo mês, às vezes cansava.


Nossa chegada triunfante no Brasil - 19 semanas de gravidez!

Mais ou menos nessa época percebemos que a barriga da Leti já estava muito grande para passar na porta do banheiro! Era hora de tomarmos uma decisão corajosa: mudarmos da Minhoca para um ambiente maior no qual receberíamos nossa amada criança. A primeira questão que surgiu foi: onde? No começo do terceiro trimestre de gestação estávamos chegando à Santa Catarina no Brasil. Nós tínhamos muitas amigas grávidas e amigos que haviam tido bebês recentemente em Florianópolis, e sabíamos que lá tinham boas opções de parteiras que realizavam parto em casa. Em acréscimo, pensamos que deveria ser bem legal ter nossa primeira filha em uma ilha, não acham?

 

Nossos Ideais de Parto

Não importa qual decisão você escolherá na hora de ter o seu filho, é sempre importante tomar decisões com o máximo de informação possível, e entender os riscos e benefícios associados às diferentes formas de trazer uma criança a este mundo. Realizar o parto em casa, em um hospital, ou em uma clínica de partos exibe riscos e benefícios próprios, associados com diferentes decisões. Infelizmente, poucas instituições médicas e profissionais da área oferecem 100% de informações confiáveis e imparciais. O momento do nascimento tem um impacto importante na saúde e bem-estar do bebê, da mãe, e, até mesmo, do planeta.

As práticas de parto estão mudando rapidamente, e têm se tornado cada vez mais um processo industrializado, orientado pela tecnologia. A medicina moderna acrescentou grandes procedimentos no que concerne ao “kit salva-vidas para nascimentos”, e nós devemos ser gratos que essas ferramentas existam para casos nos quais elas são necessárias. Entretanto, esses procedimentos têm riscos de saúde e consequências, e portanto, quando usados fora de necessidade, trazem riscos e consequências desnecessárias.

Alguns desses procedimentos, que são perigosamente prescritos com uma frequência alta e levam a complicações de saúde, tanto para a mãe como ao bebê, incluem a indução do parto (na maioria das vezes através de um medicamento chamado “Pitocin”, que é uma oxitocina artificial e provoca elevada dor no útero), episiotomia (uma incisão cirúrgica do perínio e na parede vaginal que causa uma recuperação mais lenta da mulher e aumenta as dores pós-parto), monitoramento fetal eletrônico (que estressa o bebê e a mãe, além de estudos que mostram que não há benefício real), epidurais (que adormecem parcialmente a pélvis da mulher, fazendo-a perder movimento muscular na região e aumentando a dificuldade de empurrar durante o parto) e, claro, a cesariana.

A operação cesariana é uma cirurgia de grande porte, que, em situações que envolvem grande risco, pode ser uma ação que salva-vidas. Entretanto, esse procedimento é utilizado muito além do devido em um grande número de países e frequentemente é uma das intervenções que ocorre mais cedo no trabalho de parto. No Brasil temos um dos maiores índices de cesariana do mundo, algo alarmante. Para citar apenas algumas das consequências da cesariana, ela é um risco (algumas vezes de vida ou morte) tanto para a mãe como para o bebê, e traz uma recuperação muito maior e mais dolorida para a mãe, que precisa ficar de cama por dias e, às vezes, semanas depois do parto. Uma das grandes perdas em nascer através de cesariana é que você perde uma oportunidade única de impulsionar o sistema imunológico do bebê, herdando importantes defesas contra bactérias através da passagem pelo canal vaginal. Bebês nascidos via cesárea não recebem essas bactérias e isso enfraquece o sistema imunológico deles pro resto das suas vidas. Quando uma intervenção de cesariana ocorre antes que o bebê esteja pronto para nascer, ele corre um risco de ser traumatizado durante seus primeiros momentos em vida neste planeta e, em alguns casos, trazer riscos de nascimento prematuro.

Para visualizar uma lista detalhada desses procedimentos e seus riscos para a saúde, clique aqui, e para um infográfico sobre taxas de cesárea ao redor do mundo, clique aqui.

Em adição a essas intervenções que frequentemente são desnecessárias, fatores locais e políticos hospitalares geralmente tendem a ir contra o parto normal. Enquanto os procedimentos de nascimento em hospitais variam de um para outro, algumas tendências são consistentes o bastante para acabarem sendo generalizadas.

Para a mãe grávida, se sentir confortável e apta a relaxar são fatores-chave na produção de oxitocina, um hormônio natural que ajuda a dilatar. O estresse nada familiar dos ambientes hospitalares (luzes brilhantes, proximidade de outas mães em trabalho de parto ou pacientes doentes, enfermeiras e doutores que são completos estranhos, um limite de apenas uma ou duas pessoas que podem acompanhar o trabalho de parto), torna todo o processo ainda mais complicado. As mulheres são frequentemente apressadas em seus trabalhos de parto, pressionadas para que “não demorem muito”, levando a administração de Pitocina para acelerar o trabalho, um procedimento que já se tornou prática comum nos hospitais. A Pitocina faz com que o trabalho de parto se torne muito mais doloroso, com frequência fazendo com que a mulher opte por tomar um anestesia epidural para a dor. Esse, por sua vez, torna o trabalho de parto ainda mais difícil e que acaba levando, invariavelmente, para um processo de cesariana. Dessa forma, uma intervenção pode iniciar uma cadeia de intervenções que alteram completamente a experiência do parto. Outro fator é que muitos hospitais dão um número máximo de horas de trabalho de parto antes de recomendar, automaticamente, uma cirurgia. Algo que vai contra o ritmo natural da mãe e do bebê.

Um dos pilares do parto hospitalar é a posição de deitar a parte traseira da mãe em uma cama de hospital – tenho certeza que todos estamos familiarizados com essa imagem, seja por experiência pessoal ou por ter visto em filmes, programas de TV, etc. Infelizmente, esta é uma das posições mais difíceis e não naturais de dar à luz. Ela vai contra a gravidade, e a fisiologia do parto. Essa posição pode colocar em risco a região pélvica da mãe e causar mais dor durante o parto, o que pode levar a algumas das intervenções já citadas acima. Podemos dizer que a maioria dos nossos hospitais não oferecem uma diversidade de posições e atividades para que a mulher possa trabalhar com seu próprio corpo, e não contra ele, durante o parto.

Poderíamos escrever mais um monte de páginas falando de práticas pós-parto comuns em hospitais (bebês levados para longe de suas mães, na companhia de estranhos, passando por diversos procedimentos logo ao nascer, etc.), mas vamos concluir falando que esses são apenas alguns dos fatores que tornam mais difícil ter uma experiência de parto normal, sem intervenções em um hospital. É importante ser grato à medicina moderna e não podemos desconsiderar a relevância de algumas intervenções para partos de risco e/ou complicados. Mas temos que manter as práticas medicinais em um nível honesto, sempre buscando promover a saúde e bem-estar da mãe e do bebê.

E, acima de tudo, lembrar que o nascimento é um processo natural e que os corpos femininos são perfeitamente desenhados para dar à luz! As mulheres não são defeituosas, são perfeitas. Nós devemos usar esses procedimentos quando realmente existe uma necessidade para tal.

Esse é o motivo pelo qual nós enxergamos que o quão importante é para a mãe e para o pai se sentirem seguros para tomarem decisões bem informados, com apoio emocional de seus médicos/parteiras, etc. antes e durante o trabalho de parto. 

 

Parto em Casa – Uma Opção mais Pessoal e Sustentável

Durante seis anos na estrada com o Común Tierra, nós visitamos diversos centros de partos e grupos com práticas de parto em casa, alguns dos quais nos documentamos: Luna Maya, Awaike. O parto em casa é bastante comum em ecovilas e comunidades, em muitos países no exterior e também dentro de certos setores da sociedade. E enquanto ainda há um pouco de controvérsia, estudos mostram que o parto em casa é uma opção segura e responsável, em alguns casos, ainda mais que o parto em hospital. Além do mais, o Ryan nasceu em casa, com 4,5 kg em um parto natural, sem nenhum corte, acompanhado de uma parteira, e se saiu bem, certo?


Durante os últimos 2 meses de gravidez, nós mantivemos uma rotina de trabalho reduzida, mas bastante ativa, incluindo uma entrevista para uma TV local no oitavo mês de gravidez, visitas posts em nosso blog sobre iniciativas locais e realizando um número razoável de eventos. Nos preparamos para nosso parto em casa com muita leitura, assistindo filmes sobre o assunto e conversando com profissionais e amigos que recentemente tiveram filhos. Nós sabíamos que não queríamos ter nossa filha em um hospital, e algumas das razões para tal foram listadas acima. Mas é claro, o hospital sempre seria o plano B em caso de necessidade, algo que se planeja dentr de um parto domiciliar, caso houvesse necessidade médica. E então nós começamos a nos encontrar com parteiras que decidimos que iriam nos acompanhar. 

Circulo de fechamento de um evento Común Tierra (37 semanas de gravidez!)

 

Um dos elementos mais legais em dar à luz em casa é a possiblidade de moldar o seu ambiente de parto e experiência. Nós queríamos que a Letícia se sentisse segura e confortável, tanto para se mover, como para cantar, dançar, rezar, caminhar, descansar, comer, tomar um banho... Enfim, que fosse livre para fazer qualquer atividade que desejasse. Nós queríamos que o processo do nascimento fluísse, e não impor algum tipo de agenda ou expectativas nele. E nós também queríamos receber nossa filha em um ambiente íntimo e repleto de amor. Em casa, essa liberdade e intimidade resultam em um período pós-parto muito suave, já que não há necessidade de viajar, você já está em casa! Nós queríamos que nosso bebê estivesse apto a permanecer no colo de Letícia quanto tempo ele quisesse e que ela pudesse amamenta-lo imediatamente, segurá-lo e olhar em seus olhos o quanto quisesse e que pudéssemos decidir sem pressão coisas como “quando vamos cortar o umbilical” ou “quando queremos dar o primeiro banho”. 


Nossa experiência atual com o nascimento foi incrível! Uma jornada que muda os rumos da vida completamente. E não apenas o processo de conceber um bebê, mas o rito de passagem, para a criança, para a mãe (especialmente) e para o pai. Em nosso próximo post vamos compartilhar mais detalhes sobre o nascimento, especificamente.

Por agora, deixamos aqui grandes abraços da família Rigatti Luckey! E fiquem ligados para a parte 2 ☺
 

 

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